9.10.14

| para ler raymond willians


| Marcelo Ridenti, professor de sociologia da UNICAMP, ao resenhar o livro "Para ler Raymond Williams", de Maria Elisa Cevasco, professora de Estudos Culturais e Literaturas em Língua Inglesa na USP, destaca alguns pontos fundamentais da visão de Williams sobre cultura. Aqui, segue um excerto selecionado por Marildo desta resenha.

| "Diante das mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais por que passa o mundo de hoje - e especialmente para enfrentar as dificuldades colocadas para aqueles que se propõem a compreender a realidade para transformá-la - é imperativo (re)visitar certos autores, como Raymond Williams. Por isso, é muito oportuno o livro de Maria Elisa Cevasco, que oferece ao leitor uma interpretação consistente do conjunto da obra do grande pensador britânico da cultura, tentando "resgatar a possibilidade de uma posição crítica efetivamente empenhada" (p.20).
| Como bem expõe a autora, Williams toma a cultura como "experiência ordinária" de todos, produto e produção de um modo de vida determinado, que envolve um "modo de luta". A cultura não se restringiria às obras de arte, ela também resultantes de uma cultura ordinária. Nessa medida, a crítica da cultura seria "um modo de compreender e aferir a organização da vida em um determinado momento histórico" (p.50).
| O artista compartilharia com todos "o que se chama de imaginação criativa: ou seja, a capacidade de encontrar e organizar novas descrições da experiência,
e transmiti-las". Tomar a criatividade como ordinária equivaleria "a ver a arte como uma especificação de um processo geral de descoberta, criação e comunicação,
redefinindo seu estatuto e encontrando a maneira de ligá-la à vida social" (p.53).
| Em síntese, "o materialismo cultural de Williams se abstém de reconhecer um estatuto especial para as obras literárias: a questão é examinar as relações entre as condições materiais de produção e de recepção das obras sem colocar nenhuma condição que as coloque à parte, em um domínio separado da vida social, mesmo que for para elevá-la como promessa de liberação humana" (p.179).
| No texto aparecem também as relações do pensamento de Williams com outros marxistas, como Gramsci, Lukács, Goldmann, Brecht, Althusser, os autores da Escola de Frankfurt e também do chamado marxismo britânico. Williams sempre pensando a cultura como indissociavelmente imbricada à política e à economia, numa totalidade contraditória, o que envolve questionar certas simplificações da metáfora da base e da superestrutura, e correspondente idéia simplificadora da cultura como reflexo de uma base socioeconômica. Assim, ele fala num materialismo cultural para pensar a
unidade qualitativa do político, do econômico e do cultural no mundo contemporâneo.
| A postura de Williams no debate no interior do marxismo - concorde-se ou não com suas idéias e conceitos específicos - parte de um pressuposto geral que deveria ser comum a todos os que se reivindicam herdeiros de Marx, ou seja, a recusa da velha querela "isto é marxismo, aquilo não é": nas palavras de Williams, "não sendo membros de uma igreja, não devemos nos preocupar com heresias" (p.136). De Gramsci, especialmente, Williams retoma e amplia o conceito de hegemonia, indissociável da idéia de determinação, retomada de Marx, que envolveria um "processo de exercer pressões e colocar limites" (p.148). Sua "ênfase no vivido, na experiência" (p.154) por certo não o torna palatável a muitos autores, como os marxistas da escola
althusseriana, com quem manteve um diálogo crítico, explícito ou não em suas obras.
| No capítulo final e mais longo do livro (p.181-277), a autora mostra como Williams trabalhou na prática com o materialismo cultural, ou seja, como ele interpretou a produção cultural, em que buscava a unidade qualitativa do processo social: 1. suas análises literárias de romances ingleses; 2. estudos sobre a televisão, de que é um pioneiro no âmbito do marxismo - a televisão abordada como "o dispositivo mais adequado ao modo específico de organização social sob o capitalismo tardio" (p.230), mas também promessa potencial de "prover acesso universal à comunicaçào e à cultura" (p.224); 3. pesquisas sociológicas sobre "formações" intelectuais específicas - o grupo de Bloomsbury, portador de uma "revolta juvenil e modernizante", fundamental
para o modernismo na Inglaterra, grupo visto por Williams como "uma mudança no
interior da classe dominante"(p.252); 4. os livros propositivos de Williams, "The long revolution" (1961) e "Towards 2000" (1983), nos quais o autor elabora uma forma de analisar que "contribua para uma mudança real" (p.258)."